segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Lei 10.639/2003

Contexto de Instauração da Lei nº 10.639/2003
A instauração da lei 10.639/2003 inicia-se com um importante momento de reflexão dos desafios a serem superados referentes ao racismo e à discriminação. A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, ocorrida na cidade de Durban, África do Sul, no ano de 2001, é o marco inicial para as políticas afirmativas no Brasil.
A Conferência admite erros e práticas discriminatórias, do passado e da atualidade, que diferenciam parcelas da população, marcadas pelas desigualdades sociais, pela exclusão, pelo extermínio de comunidades inteiras, e busca amenizar o sofrimento dessas inúmeras pessoas através de programas que visam ao desenvolvimento econômico e social dos grupos afetados.
No Brasil, as reivindicações do Movimento Negro, que se constitui em 1978, passam a ter um reconhecimento maior junto ao quadro da Conferência de Durban. Uma de suas exigências visa à formulação de projetos que busquem a valorização da história e cultura afro-brasileira e africana.
Neste mesmo contexto alguns dispositivos legais começam a entrar em vigor no Brasil em municípios como Belém, Aracajú e São Paulo, nos anos de 1994 e 1996. São leis que inserem nos currículos escolares questões étnico-raciais, como a formação sociocultural brasileira e discriminação.
Aliado a isso, tem-se a criação dos PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais – que possibilitam a inclusão como sendo um dos temas Transversais a ser discutido. A proposta dos PCN’s é, segundo a LDB de 1961, "inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana" e tem por finalidade: compreender direitos e deveres dos cidadãos, Estado, família e demais grupos sociais; respeitar a dignidade e liberdade do homem; fortalecer a nação, assim como a solidariedade internacional; desenvolver integralmente o ser humano; preparar o homem e a sociedade para utilizar recursos científicos e tecnológicos; preservar e expandir o patrimônio cultural; e condenar tratamentos desiguais em virtude de questões filosóficas, políticas ou religiosas, assim como preconceitos de classe ou raça.
O Brasil, que estabelece em sua história uma política de desenvolvimento que excluía uma enorme parcela da população, começa a programar diversas medidas a fim de retificar as injustiças sociais, erradicar preconceitos e impulsionar a mobilidade social através da educação.

 
O Adendo à Lei – Lei nº 11.465/2008
A Lei 11.465/2008 altera a redação de sua antecessora, a Lei 10.639/2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Buscando abranger os diversos grupos que formam a população brasileira, resgatar suas culturas, bem como apontar suas contribuições para a economia, sociedade e política.
O adendo inclui, portanto, a temática indígena em sala de aula, cinco anos após a promulgação da lei que adicionava ao currículo escolar a questão negra. Tem-se esta diferença de datas devido a tratativas políticas - maior coação do Movimento Negro em busca de igualdades sociais desde sua formação em 1978, e muito antes, inclusive, sob a forma de organizações sociais dispersas - que priorizaram a implantação da lei 10.639, onde somente consta a temática negra nos currículos escolares.
A Lei 11.465/08 contribuirá para a afirmação da identidade indígena, estigmatizada, desvalorizada como geradora de bens culturais. “Que se estude a arte indígena ao lado do estudo de um Di Cavalcanti, um Portinari.”Que possamos aprender, com a literatura dos índios, uma visão de um mundo mais solidário, mais espiritualizado, menos consumista e capitalista, em maior comunhão com as energias da criação (ASSIS, Fernanda Mullin de.  Sobre os Indígenas, o Direito à Identidade e a Lei 11.465/2008. Maricá/RJ, 2010).”
Dentro da temática indígena deverá ser trabalhada a desconstrução de estereótipos que afirmam que:
·               indígenas são “todos iguais” - desconsiderando a diversidade cultural entre os vários povos;
·               povos indígenas são “coisas do passado” – não vêem o índio como parte de um Brasil contemporâneo;
·               indígenas estão “parados no tempo” - não percebem que estas sociedades não são estáticas;
·               eles não são a “infância da humanidade” – como se não tivessem evoluído;
·               povos indígenas são “atrasados” – nenhuma cultura é mais ou menos civilizada que outra, nem mais ou menos complexa, apenas diverge em suas manifestações.
Com o adendo a população brasileira terá o acesso à diversidade de culturas que formam a sociedade. Passará, o índio a ser visto além do 19 de abril, assim com o negro, além do 13 de maio, de forma menos eurocêntrica, desmistificando estereótipos.



Características Principais das Diretrizes
A Lei 10.639/2003 que estabelece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana visa atender e regulamentar as alterações da Lei 9.394/1996. No ano de 2008, ela é novamente alterada, passando a incluir, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática indígena.
Uma das metas do parecer é que os negros se reconheçam como parte importante da cultura nacional, podendo manifestar seus pensamentos com autonomia, assim como busca a inclusão de todos os cidadãos brasileiros, independente da cor da pele, em todos os níveis de ensino, com professores qualificados, com entendimentos e sensibilidades, para lidar com variadas situações provenientes de racismo entre grupos distintos.
As diretrizes não têm como meta modificar o foco etnocêntrico e sim, ampliar o currículo escolar, voltando-o para a diversidade cultural, racial, social e econômica, trazendo à luz os povos indígenas, os descendentes de asiáticos, nossas raízes africanas, assim como européias.
Cabe às instituições de ensino, coordenações pedagógicas e professores estabelecer conteúdos a serem trabalhados, materiais didáticos, a criação de projetos e programas que compreendam diferentes componentes curriculares. Compete à responsabilidade com a comunidade escolar, com o entorno sociocultural, com a formação de cidadãos democráticos.
São apontados, pelas diretrizes, três princípios que orientam as ações do sistema de ensino e professores. São elas:
·               consciência Política e Histórica da Diversidade – igualdade de direitos e deveres, valorização da formação social, dos povos africanos, da cultura afro-brasileira, a desconstrução do mito da democracia racial, construção de ações respeitosas, diálogos que busquem uma sociedade justa;
·               fortalecimento de Identidades e de Direitos – afirmação de identidades, rompimento com imagens negativas, identidade humana universal, privação e violação de direitos, ampliação de acesso a informações sobre diversidade, igualdade nas condições de formação e instrução;
·               ações Educativas de Combate ao Racismo e a Discriminações – estratégias de ensino que valorizem aprendizagens, crítica pelos educadores quanto aos materiais didáticos, assumir relações étnico-raciais positivas (professores e alunos), valorização da oralidade, corporeidade e arte (marcas da cultura africana), educação patrimonial, conferir participação de diferentes grupos na formação da sociedade brasileira, participação de grupos do Movimento Negro (e outros) na elaboração de projetos político-pedagógicos.
Estes princípios norteiam os procedimentos a serem adotados pelas escolas, apresentam as mudanças de mentalidade exigidas, tanto nas instituições quanto nos indivíduos.
O ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena devem ser desenvolvidas no cotidiano das escolas, buscando compreender e interpretar as diferentes formas de expressão e organização social. Deve promover diálogos que cultivem formas harmônicas e respeitosas de convivência. Deve abranger diferentes disciplinas e conteúdos, entre eles, principalmente, Educação Artística, Literatura e História do Brasil, em atividades curriculares ou não.
Dentro dos conteúdos de História devem ser trabalhadas as iniciativas e organizações negras, as datas significativas, a História do continente africano. A cultura deve abranger temas como as celebrações, as contribuições dos povos africanos para ciências e filosofia, as tecnologias de agricultura, mineração, produções artísticas (plásticas, música, dança).



Importância da Lei
O Brasil, por ser um país multiétnico e pluricultural tem a necessidade de que todos seus cidadãos estejam inseridos numa mesma realidade, onde o direito de aprender e ampliar seus conhecimentos não tenha por princípio o de negar suas origens, o grupo ao qual pertencem, nem de adotar ideias e costumes que lhes são antagônicos. Esses preceitos indicam a qualidade da educação oferecida pelas instituições.
A obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena em sala de aula contribui neste aspecto, com a finalidade de minimizar a discriminação entre diferentes grupos sociais, reeducando as relações étnico-raciais, reduzindo a ignorância que diferentes grupos étnico-raciais têm uns dos outros para então construir uma sociedade democrática.
Permite que crianças, jovens e adultos sintam-se respeitados em programas e projetos educacionais. Reduz a violência explícita e/ou metafórica, gerada por racismo e discriminações.
Reconhece a diversidade das culturas africanas e celebra a participação de antepassados negros, bem como indígenas, na formação social brasileira.
Abranda a exclusão das populações negras e indígenas das carteiras escolares, em todos os níveis de ensino, e também suaviza as humilhações sofridas por estes estudantes em consequências de atitudes, textos, inclusive materiais didáticos com conteúdos racistas.
A Lei tem o claro objetivo de divulgar e produzir conhecimentos acerca das diferenças culturais, criando um ambiente de posturas e valores de afirmação de identidades, na qual todos tem a capacidade de interagir com igualdade, participando e consolidando a democracia em nosso país.



Problemas e Cuidados da Lei:
A inclusão da temática busca ampliar as discussões acerca da diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira, exigindo que sejam repensadas as relações étnico-raciais, sociais e pedagógicas, ou seja, é preciso desconstruir a história tradicional, baseada no “mito da democracia racial”, para então combater o racismo.
Acabar com desigualdades sociais, assim como com o preconceito, não são tarefas exclusivas da escola, sendo também necessária a desconstrução da mentalidade racista e discriminadora. É preciso reestruturar as relações étnico-raciais e sociais, já que nosso racismo é político, social, coletivo. Percebemos isso nos questionários que nos são impostos onde precisamos declarar nossa raça. Torna-se importante elucidar que, no Brasil, ser negro não se restringe à cor da pele e sim a uma escolha política, pois “o é quem assim se define” (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Brasília, DF. 2004. P 15).
As pedagogias de combate ao racismo necessitam de cautela, uma vez que todos os cidadãos, independente da identificação étnico-racial, devem receber formação indispensável para tecer novas relações sociais. Para isso faz-se necessária à qualificação dos educadores, fundamentais na formação de uma consciência política e histórica de diversidade, assim como a adequação dos materiais didáticos.
Temas como escravidão, resistência, abolição, inserção do negro na sociedade, devem ser trabalhados segundo uma visão critica, que considere todos os aspectos relativos a relações sociais, tempo e espaço.
Passa a fazer parte das pesquisas diversas abordagens sobre a organização de vida dos escravizados, buscando recolocar os negros como sujeitos de sua história. Também passa a ser relevante a diversidade cultural, assim como a interdisciplinaridade.
Dentro das problemáticas referentes ao material didático-pedagógico, podemos destacar o aspecto que diz respeito às origens dos negros, que normalmente é abordado a partir da colonização, não sendo explicado de que região da África ele vem, ficando tão vago que até mesmo o termo África, torna-se genérico, parecendo tratar-se de um país. É preciso trabalhar as raízes dos povos africanos e apresentar sua organização ainda no continente de origem. A fim de desmistificar o negro como sujeito passivo à escravidão, é preciso analisar os tipos de resistências por eles impostas. Ver o papel do negro na sociedade brasileira ao longo dos mais de 300 anos de escravismo, onde ele atua não só como mão de obra, que movimenta a economia, mas na política e sociedade. Estudar o papel do negro pós-abolição, as diferentes leituras dos autores acerca do tema e os reflexos da escravidão na sociedade atual, enfocando as lutas por igualdade social.
Também dentro das ações necessárias para a implementação da Lei, um esforço maior do poder público está no que se refere à formação dos educadores.
Outra questão que deve ser destacada é quanto à denominação étnico-racial. Para Bobbio (apud GOMES, 2005) “etnia é um grupo social cuja identidade se define pela comunidade de língua, cultura, tradições, monumentos históricos e territórios (p.50)”. Entretanto, não podemos afirmar que a população negra brasileira constitui-se de uma etnia, isso não leva em consideração a diversidade de idiomas, culturas e tradições das origens dessa população, tampouco dá importância à diversidade cultural atual da população negra no Brasil. Já o conceito de raça, tem significado biológico inadequado e inaceitável.
[...] raças são, na realidade, construções sociais, políticas e culturais produzidas nas relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Não significam, de forma alguma, um dado da natureza. É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças. Isso significa que, aprendemos a ver negros e brancos como diferentes na forma como somos educados e socializados a ponto de essas ditas diferenças serem introjetadas em nossa forma de ser e ver o outro, na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas. (GOMES, 2005, p.49)

O objetivo não é causar polemica com a questão racial, uma vez que raça é uma só – a humana. Entretanto, não podemos reduzir nosso entendimento a este discurso. Portanto, por se tratar de uma questão complexa, o termo raça não é adotado a fim de neutralizar o racismo.
O fato de propor o trabalho sobre as relações étnico-raciais e cultura afro-brasileira e africana através de uma lei, pode ser duvidoso, pois o ideal não seria impor, sob a forma de lei, e sim, por convencimento da necessidade do trabalho com todas as crianças, independente da classe social e etnia em que estão inseridas. E colocar a questão indígena nessa mesma lei pode ser equivoco ainda maior, uma vez que cada grupo tem especificidades que precisam ser trabalhadas com um foco direto.  Trazer as duas questões para sala de aula nestas condições é, no mínimo, desrespeitar a seriedade que ambas devem ser trabalhadas.



Considerações Finais
As leis não modificam pessoas nem realidades sozinhas. Não exterminam preconceitos, nem retomam valores há muito esquecidos. Entretanto, apontam caminhos.
A proteção dos direitos das minorias, assim como a valorização das distintas culturas, bem como o respeito entre os diversos grupos étnico-raciais tem sua base inserida na educação. Uma educação voltada para a tolerância ao diferente, que objetiva a construção de uma cultura de paz, que conserva e valoriza as disparidades de tradições, que universaliza e partilha o caminho rumo ao fim da opressão e exclusão social, ressignificando a cidadania, a democracia e contribuindo para um Brasil melhor.
O reconhecimento das identidades se alia às noções de dignidade. Todas as culturas são conjuntos únicos de valores, com o diálogo sendo o fator essencial para a evolução e existência da humanidade.


Referências Bibliográficas
  • ASSIS, Fernanda Mullin de.  Sobre os Indígenas, o Direito à Identidade e a Lei 11.465/2008.  Maricá/RJ, 2010.
  • Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Ministério da Educação, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPRIR. Brasília - DF, Outubro/2004.
  • MORAES, Kelly da Silva. A Lei 10639/2003 e seus Reflexos nos Materiais Didáticos: Uma Análise Sobre o Negro na História do Brasil.
  • Site: Black Power Real.
  • Site: 1978-2008 Viva o Movimento Negro Unificado
  • Site: Ação Educativa.
  • Site: Movimento Negro Socialista.
  • Site: Santa Sé.
  • Site: PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
  • Site: Kilombo Cultural.
  • SOUZA, Maria Elena Viana. Diálogos Possíveis Entre Concepções De Currículo e a Lei 10.639/03. UNIRIO


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