quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Principais Hominídeos

As idéias sobre a origem do mundo e dos homens vêm mudando com o passar do tempo, graças a uma série de descobertas nos últimos dois séculos. Primeiramente, acreditava-se que Deus havia criado a terra e os seres que nela habitavam. Essa hipótese foi lentamente derrubada com a descoberta de um fóssil humano, ainda que diferente de nós, por volta de 1856. Era o primeiro homem de Neandertal, que surgiu para promover as suposições de Darwin sobre a teoria da evolução.
Através do conhecimento adquirido, sabemos hoje que os Australopitecos são o elo entre homens e símios. Apareceram por volta de quatro milhões de anos atrás na África, com características bem marcantes.
Possuíam o crânio pequeno em relação à face, seu cérebro tinha o volume aproximado de 400 cm³ e mediam cerca de 110 cm de altura. Com faces salientes, mandíbulas fortes e o formato das inserções de músculos e tendões sugerem uma musculatura possante. Os dentes também apresentam características humanas, com caninos de tamanho menor que os dos símios. É importante destacar que os Australopitecos podiam ficar em pé, embora sua postura fosse bem diferente em relação a nossa.
Provavelmente desapareceram há um milhão de anos, seu exemplar mais famoso é Lucy, com 3,2 milhões de anos, encontrada em 1974 por Donald Johanson.
Datado de aproximadamente dois milhões de anos, o Homo hábilis é considerado o primeiro de nossa espécie. Recebe este nome para destacar sua capacidade em usar ferramentas (hábilis = habilidoso), ainda que muito rudimentares. Muitos destes instrumentos são apenas lascas de pedras, as pequenas usadas para raspar e as mais grossas como machado.
Tem como características físicas o aumento da capacidade craniana, o volume de seu cérebro chega em 630 cm³. Capaz de andar em pé, continua com braços longos, que possibilitam maior desenvoltura para subir em árvores.
Depósitos de ossos encontrados juntos às ferramentas nos informam que estes homens eram caçadores e carnívoros. Também revelam um comportamento interessante, o costume de dividir a presa e consumi-la com o grupo, apresentando o primeiro passo para a cooperação.
A transformação seguinte é marcada pela expansão do cérebro de 630 para 1.000 cm³, este homem, batizado de Homo erectus, possui a calota craniana mais elevada, acima das arcadas supraciliares, que continuam pronunciadas. A face já não é mais tão longa, mandíbula baixa e voltada para trás, com a arcada dentária ainda saliente.
Neste período, os utensílios se tornam mais numerosos e aperfeiçoados, como o machado de duas faces, não muito modificado posteriormente. Seu aparecimento é datado de dois a 0,5 milhões de anos.
O Homo sapiens representa a última etapa do processo de aumento cerebral, chegando ao volume de 1.400 cm³, há quinhentos mil anos atrás. Na história da evolução é provável que este crescimento seja o causador do aumento das capacidades intelectuais, como a fabricação de utensílios e o uso da linguagem de forma mais complexa.
Classificados como Homo sapiens arcaico, tem arcadas supraciliares marcantes, ossos espessos e face saliente, ainda lembrando os símios. Foi encontrado na África, Europa e Ásia.
A partir de duzentos mil anos, foi encontrado na Europa um sapiens diferente, chamado de Homo sapiens neanderthalensis, desaparecendo cerca de trinta e cinco mil anos. Sua capacidade craniana é semelhante à do homem moderno, porém com calota craniana mais comprida e baixa em relação à face, testa estreita e arcadas supraciliares proeminentes. Seu rosto é comprido, nariz largo e queixo pouco pronunciado. Há também uma protuberância na extremidade posterior do crânio. Os encaixes da musculatura indicam que era muito forte.
Viviam, provavelmente, em cavernas e adaptaram-se a diferentes climas. Eram caçadores e nômades. Utilizavam ferramentas em estilo musteriano como facas, raspadores, furadores, lanças, entre outras. Trabalhavam pedra e madeira.
Em torno de cem mil anos, surge na África o homem dito como moderno, isto é, Homo sapiens sapiens, que passou a difundir-se pelo mundo, mostrando grande adaptação a diferentes ambientes.
Ele ainda utiliza objetos tipo musterianos que vão sendo substituídos pelos aurignacenses, com uma gama de utensílios ainda maior, com formas mais precisas e funções reconhecíveis. Passam também a trabalhar o marfim, chifres e ossos.
A diversificação lingüística foi simultânea à grande diversificação de objetos e à difusão do homem moderno. Talvez o aparecimento de novas estruturas cerebrais tenha sido a base para a transformação cultural ocorrida na época.
Surge um interesse pela arte, onde podemos destacar pinturas rupestres, com imagens de animais, rochas esculpidas, estatuetas de pedra e objetos pessoais, como colares e outros ornamentos feitos com dentes de animais, conchas, marfim, pedras e ossos cuidadosamente trabalhados.
A lança foi aperfeiçoada e surgem instrumentos de pesca, como o arpão e o anzol. O arco foi uma inovação importante, aparece aproximadamente vinte mil anos atrás e difunde-se rapidamente.
Ele continua a viver em cavernas, embora também tenha construído cabanas e tendas. Produziu vestimentas em peles e até inventou a agulha para costurá-las.
Infelizmente muitas evidências fósseis já foram perdidas, ora por saques, ora para serem usadas para outros fins. Muitas vezes os achados se dão por acaso, já que não temos um sistema que nos indique onde procurar diretamente. Essas descobertas são normalmente divulgadas, atraindo muita atenção e posteriormente publicadas.
Este assunto gera uma série de discussões a respeito da origem do homem, teorias evolutivas, melhores métodos para datar achados, e, principalmente, se estas espécies de hominídeos conviveram juntas em determinados períodos, se houve uma evolução natural entre as espécies ou eram gêneros diferentes que se extinguiram em determinado período.
O assunto é fascinante e somente estudando mais a fundo é que percebemos que ainda temos muito a descobrir sobre nossos antepassados e sobre a preservação da nossa memória.



BIBLIOGRAFIA:
CAVALLI-SFORZA, Luca e CAVALLI-SFORZA, Francisco. Quem Somos? História da Diversidade Humana. São Paulo: UNESP, 2002, p.55 a 113.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Grécia

Democracia, teorema de Pitágoras, colunas e frontões... Ligada de muitas maneiras às civilizações clássicas, nossa sociedade demonstra grande interesse por diversos aspectos culturais da Grécia.
Tendo como centro desta civilização a Península Balcânica, os deslocamentos populacionais devido a condições físicas desfavoráveis, solo empobrecido e clima com temperaturas extremas, favoreceram a expansão grega por outras terras.  Composta por regiões continentais como o Peloponeso e Ática, ilhas como a de Creta, formaram colônias no lado oriental do Mar Egeu, atual Turquia, Sicília e Itália, e também no Mediterrâneo ocidental, como Marselha, França. A Grécia não era um país conforme as definições atuais, para eles, seu país estava onde existissem gregos.
Formada por diferentes povos, vindos de diferentes lugares, a Grécia absorveu o que havia de melhor em cada um deles. Jônios, Aqueus e Dórios, entre outros, trouxeram suas experiências no comércio marítimo, metalurgia do ferro, cerâmica, construções de palácios, escrita... A Grécia clássica como conhecemos hoje é herdeira de avanços e conhecimentos aprendidos e adaptados de outras civilizações. Possuía uma unidade cultural básica, porém com variações de acordo com as regiões e influências estrangeiras.
O que ocorreu foi uma grande mistura de povos e seus elementos culturais, formando, lentamente, uma nova civilização que se estende para onde e como puder, mostrando a capacidade de adaptação e dinamismo dos gregos.
O mundo grego era constituído por inúmeras cidades – polis – definida por seu povo – demos – submetido aos mesmos costumes e religiosidade. As cidades compreendiam várias tribos, divididas em frátrias e estas em clãs, por sua vez compostos de muitas famílias. Os que não pertenciam a estes grupos eram considerados estrangeiros, não tinham direito nem proteção. Sua economia baseava-se inicialmente na agricultura e pecuária. Com a expansão grega prosperou o comércio marítimo, introduzindo o uso da moeda como facilitador nas trocas, e o artesanato, na produção de armas e cerâmica.
 As terras pertenciam a ‘nobres’, que administravam também o poder político e judiciário, em lugares onde prevalecia o regime aristocrático, como é o caso de Esparta. Além desses nobres, a sociedade era composta por servos, artesãos e pequenos proprietários.
Principalmente em cidades marítimas e voltadas ao comércio, ocorreram guerras civis, em que o povo reivindicava por maior participação nas decisões políticas. Foi atribuída a alguns homens de boa reputação, chamados de tiranos, a tarefa de redigir leis, ampliando os direitos políticos dos cidadãos. Estas transformações tenderam à democracia e temos como exemplo a cidade de Atenas.

ESPARTA

Sem grandes destaques no comércio, devido a sua localização de difícil acesso, Esparta possuía terras férteis, ideais para o plantio de cereais, oliveiras, vinhas e pastagens.
Localizada no sudeste da península do Peloponeso, foi fundada por Dórios que também conquistaram outras localidades. Os Espartanos eram proprietários de terras cultivadas por famílias de hilotas – servos vindos de cidades por eles dominadas – que não eram escravos, formavam uma comunidade à parte, e por diversas vezes se revoltaram.
O poder em Esparta era concentrado nos dois reis da cidade assim como num pequeno número de dirigentes que compunham a Gerúsia (espécie de senado), formado por 28 anciãos, cujos poderes não eram muito grandes.
Todos os homens eram proibidos por lei de trabalharem para se dedicarem exclusivamente à carreira militar. Desde meninos tinham uma educação militar rígida, aos sete anos saíam de casa, a fim de receberem um treinamento voltado às guerras. Este sistema teve por conseqüência uma forte disciplina, um exército poderoso e a falta de criatividade em desenvolver indústria e artes.

ATENAS

Outra grande cidade grega, muito mais dinâmica que Esparta, e bem mais conhecida por historiadores e arqueólogos, é Atenas. Tinha o solo pouco fértil, produzindo trigo e cevada que nem sempre era suficiente para sua população. Em suas colinas, plantavam oliveiras e uvas, resultando numa indústria de azeite e vinho. Também desenvolveram a mineração de prata e o comércio marítimo teve destaque devido ao porto de Pireu.
Por muito tempo, Atenas viveu sob domínio aristocrático, no qual as terras pertenciam a poucos, os ‘eupátridas’. Os pobres, pequenos camponeses e artesãos, sempre em dificuldades, acabavam por serem escravizados em função de suas dívidas. O poder econômico de Atenas cresceu, fazendo com que parte da população, em geral comerciantes, se beneficiasse desta melhoria em sua condição de vida, gerando, lentamente, o fim do regime aristocrático. Para isso foi preciso muitas lutas populares, em que terras foram confiscadas dos nobres, aumentando o número de pequenos proprietários, mudando o sistema de voto e representação política, a partir do qual todos os cidadãos alistados em um ‘demos’ poderiam votar em assembléia, entre outros.
Este regime político tornou-se plenamente desenvolvido com Péricles (aproximadamente em 469 a.C.). É neste período que cargos políticos tornaram-se acessíveis à população e palavras como justiça e liberdade permearam o imaginário ateniense.
A democracia surge em Atenas, onde todos os cidadãos podem participar das assembléias do povo, as ‘Eclésias’, que ocorriam em praças públicas cerca de dez vezes ao ano, sendo suas decisões inapeláveis, porém antes passavam por um conselho, o ‘Bulé’, quando eram então comentadas e emendadas sempre que necessário. Faziam parte da Bulé quinhentos senadores, sorteados entre os que se candidatassem, porém deveriam ser cidadãos, com no mínimo trinta anos de idade.
Por cidadão lê-se homem, maior de dezoito anos, filho de pai e mãe ateniense. Escravos, estrangeiros, assim como mulheres e crianças atenienses não tinham direitos políticos. Camponeses e pequenos artesãos podiam usufruir da democracia ateniense, a participação política abrangia um número significativo de homens, desde os mais modestos até os que possuíam grandes fortunas.
Os ‘metecos’, estrangeiros, pagavam taxas especiais e prestavam serviço militar além de pagarem impostos. Eram responsáveis por boa parte do desenvolvimento e prosperidade de Atenas, atuando em diversas profissões, exercendo grande parte das atividades econômicas, artesanais e comerciais. Muitos se destacavam como artistas e intelectuais. Os escravos, em sua maioria, eram prisioneiros de guerra, sendo eles gregos ou não.
A experiência de democracia ateniense serviu de inspiração para todos que defenderam a liberdade política e o governo do povo, mesmo muitos séculos depois.

Havia muitas diferenças entre homens e mulheres da Grécia antiga. Quando meninas, tinham pouco contato com meninos e seus brinquedos remetiam à idéia da vida adulta, cuidados com a casa, filhos, etc, enquanto os meninos brincavam de lutas, antecipando sua vida no exército. Na adolescência elas participavam de cerimônias que preparavam para o casamento; eles iniciavam no serviço militar, caçavam e recebiam educação suficiente para administrar assuntos públicos. Os homens eram  preparados para participarem de competições atléticas, musicais e para falar em público. Todos, independente da classe social, tinham direito à educação.
As meninas casavam aos 12 anos de idade aproximadamente e tornavam-se donas de casa. Para os homens, o casamento se dava com 35 anos de idade, geralmente. O marido transmitia alguns conhecimentos à esposa, a começar pela administração da casa. Em geral, as mulheres viviam confinadas em cômodos destinados somente a elas, os chamados ‘gineceus’, enquanto os homens participavam da vida pública.

A cidade era composta por partes: na Acrópole, localizada em uma colina, mais próxima do céu, ficavam os locais sagrados e cívicos, uma parte alta, representando a cidade como um todo, com os edifícios mais importantes e na porção mais baixa, localizavam-se o mercado e a Ágora (praça). Cercando a Acrópole e a Ágora, uma grande muralha protegia a zona urbana; ao redor, o campo, com suas propriedades rurais. Todo este conjunto era chamado de Polis.
Na Grécia havia uma distinção entre a vida pública e privada, porém não como conhecemos hoje. A vida pública era essencial, inclusive para a definição de identidade das pessoas, ela implicava na participação dos assuntos da cidade, era compreendida pela participação em assembléias e no exército. Os homens acabavam dedicando-se pouco à vida familiar em detrimento à vida pública. Mulheres, crianças, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos, portanto não participavam.
Cada cidade tinha sua própria constituição. Em geral algumas características eram comuns a todas, como o direito divino, o que havia sido estabelecido pela tradição, o que os homens não podiam mudar e as leis feitas sobre a vida em sociedade.
Havia diferenças de status e estilos de vida também. Os bem nascidos, eupátridas, viviam com sofisticação, promovendo banquetes regados a vinho e discussões político-filosóficas, dedicavam-se ao ócio, compreendido na época como liberdade para participar da vida pública, refletir sobre o mundo e participar de conversas estimulantes. Os outros cidadãos, camponeses, viviam com muita simplicidade, em famílias onde todos trabalhavam para garantir sua sobrevivência.

Havia na Grécia diversos tipos de relações sexuais e amorosas bem aceitas por todos; eles não sentiam culpa nem encaravam o sexo como algo cientificamente analisável, pois sexo era ligado à natureza, ao divino. Tanto que existiam diversos deuses ligados à sexualidade e ao amor.
Os ideais de beleza eram muito diferentes dos nossos, os homens procuravam mulheres sem defeitos físicos e com certa robustez, o que possivelmente permitiria bons partos, pele clara significava que ela não trabalhava ao sol, e a timidez era valorizada. Nos maridos era valorizada a força, coragem e inserção social. Isto entre a elite, pois para os cidadãos mais simples, o casamento era uma forma de unir famílias, propriedades, assim como uma maneira de sobreviver trabalhando em conjunto.
Entre os gregos existia o chamado ‘amor nobre’, baseado em afinidade de idéias, na relação de aprendizado, entre professor e aluno, ocorriam relações sexuais entre adultos e meninos, sem que houvesse culpa, pois esta prática era comum entre a elite grega. Estes homens não deixavam de se relacionar com mulheres. Antes do casamento mantinham relações com as ‘hetairas’, assim como outros homens que participavam dos banquetes.
Os casados se preocupavam com a reprodução da família, mas também mantinham relações sexuais com os escravos, sendo eles homens ou mulheres.
Apesar de nem todos terem o mesmo comportamento sexual, não havia reprovação moral a relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que o desejo era visto como algo divino. Eram criticados os casos de descontrole, como se deixar levar pelos desejos sexuais de uma paixão incontrolável ou o desequilíbrio que levava o homem a adquirir modos efeminados.

A religiosidade grega unificava cidades com costumes tão diversos. Seus deuses eram muito próximos aos homens e à Terra. Eles interferiam diretamente na vida de mortais, comandando a natureza e participando da vida dos humanos. Os deuses comportavam-se como homens; o que os diferenciava era sua imortalidade.
Cultos ocorriam em dois níveis: o doméstico, variando bastante e correspondendo a sentimentos íntimos, é mais liberal, já o público tinha caráter oficial, representando o espírito patriótico, evoluindo de forma mais lenta.
Narrativas fantásticas, com muitas aventuras eram passadas de geração a geração, oralmente, acerca de deuses e suas façanhas. Estes relatos, também conhecidos como mitos, foram registrados posteriormente, redefinidos e aprimorados; evoluíram e se adaptaram a todo o período da civilização grega e nos servem como fonte de conhecimento sobre o pensamento e cultura deste povo.

No período arcaico (Séc. VII e VI a.C.) houve grande intercâmbio de ideias entre os gregos, egípcios e mesopotâmicos. Na Jônia e Magna Grécia, pensadores se ocuparam com temas como a origem do mundo, a verdadeira realidade, a unidade por detrás das aparências. O objetivo era explicar o mundo através da razão, deixando de lado os mitos e deuses, identificando princípios e estabelecendo ordem para fenômenos naturais e sociais a partir de reflexão sobre experiências cotidianas.
Homens ativos, práticos e interessados aproveitaram para analisar, criticar e criar, surgindo assim o pensamento racional e a Filosofia, para ampliar o conhecimento sobre a realidade. Buscando estabelecer leis que explicassem o funcionamento do universo, surgiu a ciência grega, marcando uma mudança importante, centrando a capacidade de pensamento aos homens, sem depender diretamente dos deuses. Surgiram nomes como Tales, de Mileto e Pitágoras, de Samos, que desenvolveram a Geometria e Hecateau, de Mileto, que dedicou-se à  Geografia.
Idéias que colocaram o homem no centro das atenções foram revolucionárias e com um grande potencial libertador, dando a capacidade de entender que foram estes homens que criaram os deuses a sua imagem e semelhança e não o contrário.
A nova vida cultural e material das cidades possibilitou o desenvolvimento de uma nova forma de pensar o mundo. Foi em Atenas que Sócrates, Platão e Aristóteles buscavam suas verdades, faziam questionamentos, viajavam para o mundo dos pensamentos. Estes filósofos trouxeram os fundamentos para todas as formas de pensamentos posteriores, até os tempos Modernos, suas idéias transcenderam, tornando-se instrumentos do conhecimento.

Não só na Filosofia que o homem passou a ser o centro, o referencial. As artes também o tinham como parâmetro e buscavam nele toda a proporcionalidade das partes em relação ao todo. A beleza consistia na analogia com as proporções humanas.
A arquitetura utilizava-se de pedras e mármores. Foi desenvolvida uma linha arquitetônica muito peculiar, com colunas e frontões extremamente característicos de cada uma das principais ordens gregas: a dórica, com colunas sem base e com capitel curvo, linhas muito limpas; a jônica já apresenta base e tem no capitel duas volutas; a coríntia já era mais rebuscada em seu capitel, com volutas e relevos com desenhos de folhas principalmente, e com frontão muito detalhado, com ilustrações de mitos nele representado.
Tinha como principais edifícios os templos, tendo como exemplo mais popular o Parthenon, além dos teatros e ginásios. A arquitetura e o teatro serviram de modelo para os romanos e posteriormente para toda a cultura ocidental.
Inicialmente, a escultura procurou representar os grandes momentos dos homens, posteriormente seus movimentos e os indivíduos, representando pessoas concretas, com sua fisionomia e traços particulares.

A Guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta (431 a 404 a.C) iniciou o declínio das cidades gregas independentes com a derrota de Atenas. Esta luta foi resultado da disputa por controle político das cidades e, mesmo após o fim da guerra, muitas batalhas continuaram ocorrendo, enfraquecendo as cidades e trazendo a ruína para camponeses e artesãos.
Estas disputas se mantiveram até que Felipe, da Macedônia começou a conquistar algumas destas cidades e seu filho, Alexandre, o Grande, dominou toda a Grécia, os persas, chegando até a Índia. Criou assim um império imenso, onde conviviam diversos povos, com dezenas de línguas, governados por uma elite macedônica. Neste período foram fundadas várias cidades com seu nome, como Alexandria, no Egito. Esta civilização, conhecida como helenística, destaca-se por sua vida intelectual intensa, pela convivência de muitos povos e pelas trocas culturais.
Com a morte de Alexandre, o império desintegrou-se, dividindo-se em três reinos centrados na Macedônia, Egito e Mesopotâmia. Entretanto as cidades gregas continuaram a existir até serem incorporadas ao domínio romano, porém mantinham uma impressionante fidelidade à sua cultura.

Podemos notar que nossa sociedade é inspirada, em diversos aspectos, na sociedade grega. A democracia, arquitetura, ciências, filosofia, artes, mitologia, jogos olímpicos, estão presentes em nosso cotidiano e remetem a uma cultura atemporal, uma herança viva, presente e importante, que sobrevive aos avanços e às mudanças constantes que a modernidade nos impõe.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Angelus Novus

Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus.

Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente.
Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas.
O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado.
Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés.
Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las.
Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.
Walter Benjamin, "Obras Escolhidas", tradução: Sérgio Paulo Rouanet, 1994 - 7.ed. Editora Brasiliense. p.226.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O QUE É MITO?

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.

Todos os dias nos deparamos com mitos e diversas vezes nem percebemos que eles estão em nosso cotidiano. A mitologia está na religião, em acontecimentos históricos, na antropologia, filosofia, na psicanálise e em nossos rituais.
É comum utilizarmos o termo ‘mito’ para ilustrar histórias como falsas e duvidosas, até mesmo os dicionários tem esta definição, entretanto nem sempre um mito significa que a história é falsa, tampouco verdadeira.
As religiões, repletas de mitos, consideram histórias sobre a origem e os acontecimentos. Eles vêem em seus textos sagrados como possuidores de verdades com inspiração divina e não repassadas em linguagem humana. Essas pessoas se opõem ao uso da palavra ‘mito’ para descrever suas crenças.
Não somente a religião tem seus mitos, alguns acontecimentos históricos são transformados em mitos quando adquirem uma determinada carga simbólica para um país, intervalo de tempo e cultura.
Veremos neste trabalho algumas definições acerca do mito, suas vertentes e alguns nomes que estudaram o assunto, suas relações com a história e a verdade.


O QUE É MITO?

Certamente não conseguiremos uma clara definição de mito, pois o termo admite uma diversificada gama de idéias e conceitos.
Inúmeras teorias buscam entender o que é o mito. Nesta investigação à procura de seu significado, várias escolas, correntes de pensamento e linhas de pesquisa surgiram. Teorias como a ‘naturalista’, ‘historicista’, ‘animista’ e ‘estruturalista’ são conhecidas  e divergentes entre si, cada qual com metodologias, objetivos e resultados distintos.
A melhor explicação é de que o mito é uma narrativa, uma fala, um discurso, entretanto não é uma fala comum, seu sentido é vago e requer interpretação. O que ele procura dizer está implícito, não é objetivo, faz suas afirmações sutilmente, sem ser óbvio, direto.
Em nosso cotidiano a palavra mito expressa uma mentira, algo irreal. Porém ele tem em seu contexto uma verdade que precisa ser procurada em outra lógica, adquirindo assim valor e eficácia na vida social.
Para os antropólogos, um vasto conjunto de interpretações tem por finalidade identificar o que os mitos têm a revelar sobre as sociedades de onde provém. É a interpretação como forma de compreender uma estrutura social, relacionando assim os mitos com um contexto social.
Dentro da linha de interpretação da psicanálise, os mitos estão inseridos na mente humana, no chamado inconsciente coletivo, compartilhado, como o nome já diz, por toda a humanidade ao mesmo tempo que existe em cada um de nós.
Mesmo analisando o mito como não sendo verdade, ele não perde seu valor, pois é efetivo, conduzindo o pensamento e o comportamento humano ao lidar com realidades existenciais importantes. A ideia de verdade é também um conceito discutível, pois alguns pensadores acreditam que ela não passe  de uma versão bem-sucedida de um acontecimento.
Logo, da verdade que o mito não tem, ficam a eficácia e o valor social. Da interpretação que nos é exigida, as tentativas do pensamento analizá-lo.
Os mitos são, portanto, narrativas simbólicas e estão relacionadas a uma cultura. Revelam verdades fundamentais, procuram explicar a realidade, são pensamentos sobre a natureza humana, origem dos homens, do mundo, assim como expõe os principais acontecimentos da vida. Contudo precisam ser compreendidos em seu conteúdo.


LINHAS DE INTERPRETAÇÃO

Naturalista

Inúmeras explicações, com o passar do tempo, foram dadas acerca dos mitos em função da sua abundância de significados. Enquanto os antropólogos buscam compreender as estruturas sociais que cada mito oculta, os psicanalistas se utilizam dos mitos para estudar o inconsciente humano.
A teoria naturalista é a mais frequente em livros didáticos e a mais conhecida popularmente. Ela parte do pressuposto que em momentos mais primitivos da humanidade os fenômenos naturais exerciam tanto fascínio nos homens e marcavam tão fortemente seus interesses que serviam de fonte para a criação de mitos.
Esta teoria busca compreender e controlar as forças da natureza, com um caráter poético e contemplativo. Era para o Sol que se voltavam os principais interesses para esta atividade. Como cita em seu livro “Oque é Mito?”, Everardo Rocha diz “Os mitos solares desempenhavam um papel primordial.”
Dentre os autores naturalistas podemos citar Max Müller, que se destacou por importantes estudos sobre a mitologia ariana, que conceberam seus mitos em torno do Sol, da luz e escuridão, da alternância de dias e noites. Mas há também os adoradores da Lua, que aparece relacionada aos mistérios da morte e ressureição, cujas fases servem de modelo à nossa tragetória de vida, servindo de tradução para a existência humana.
Além do Sol e da Lua, também permeavam o imaginário humano a respeito dos mitos os ventos, a chuva, as cores do céu, Vênus e as estrelas em geral.


Historicista

A vertente que deu ao mito um contexto mais histórico foi a teoria historicista que procura no mito registros verdadeiros do passado, não mais com caráter contemplativo frente às forças naturais e sim como relato de episódios históricos. Ele não apenas se difundia históricamente, era o próprio registro da história.

Aninismo

Nos estudos de Edward Bunnett Tylor, famoso antropólogo evolucionista, surge novas reflexões sobre os mitos. Sua interpretação estava atrelada à religião e aos princípios de evolução das sociedades. Sua teoria, conhecida como aninismo parte da idéia de que todos os elementos naturais podem ser personificados.
Para ele haviam dois níveis diferentes de mitos. O primeiro se caracterizava pelo desejo de entender os fenômenos naturais, o segundo, poderia ser reflexo de acontecimentos históricos e tradições culturais. Entretanto esta teoria se empenha em explicar a criação mítica como a personificação de elementos naturais.

Escola do Mito e Ritual

Tyler também dedidou seus estudos à religião, tendo assim que refletir sobre suas próprias crenças, mitos, símbolos, rituais. A relação entre estes elementos abre espaço para outra linha de pensamento sobre mitos, em que eles interagem com os rituais. Nela se procura relacionar o mito ao ritual e assim entender os dois fenômenos juntos e quais suas predominâncias. Este tipo de interpretação ficou conhecido como Escola do Mito e do Ritual.
Como são pertencentes à questão da religião, mito e ritual buscam suas diferenças, assumindo hipóteses básicas. A primeira afirma que o mito nasce do ritual, a segunda diz que o mito é a versão falada do ritual, caracterizada pela sua constância, finalmente, nesta relação com o rito que está a origem do mito.

Funcionalista

Somente com o aparecimento de uma prática metodológica, conhecida como ‘trabalho de campo’, dentro da antropologia social, é que se estuda o mito vivo e atuante nas sociedades. Malinowski é o nome que deu início a este tipo de trabalho quando convive com os Trobriandes por quase três anos. Lá ele imerge no cotidiano, estrutura social, festas, religião e mitos, modificando a perspectiva de estudo da sociedade em questão.
Esta prática dá ao mito novas dimensões, podendo ser vivido como prática entre os que nele acreditam, cheio de significados, usos, possibilidades. O mito no seu contexto social, livre de preconceitos.
Malinowski adota uma perspectiva extremamente funcional em relação ao mito, assumindo–o como um guia ao cotidiano para o funcionamento social. Ele nos mostra que o mito servia socialmente, ou como explicação à nossa sede de conhecimento ou como satisfação a desejos religiosos. Ou protegia a moral, ou regrava a vida dos homens. Eis a linha interpretativa funcionalista. Entretanto os mitos não são assim tão funcionais.
De Malinowski, fica atrelado à pesquisa antropológica o ‘trabalho de campo’, não podendo mais desprezar os contextos sociais, as ‘etnografias’ das sociedades estudadas.


Inconsciente Coletivo

Enquanto os antropólogos analisam o mito como fonte de conhecimento social, como sendo uma narrativa sobre a existência contendo mensagens capazes de revelar o pensamento de uma sociedade, a psicanálise utiliza o mito para estudar a mente humana, é uma forma de expressão do inconsciente.
As idéias fundamentais da linha psicanalítica de estudo dos mitos provém de dois nomes: Freud e Jung. Ambos em seus trabalhos admitem a natureza imutável e constante do inconsciente, permitindo assim a continuidade dos mitos.
A linha  desenvolvida por Jung relaciona-se ao inconsciente coletivo, que é a camada mais profunda da mente humana, sendo parte da humanidade, da história do Homem, que se encontra presente em nossas mentes individuais. Seu esforço principal era demosntrar que um mesmo conjunto de mitos aparece em diferentes sociedades, em tempos distintos e culturas diversas, produzindo simbologias muito semelhantes.
Para ele, o inconsciente coletivo se manifesta em padrões, um tipo de impressão psíquica, como se fosse uma imagem, uma marca. Um grupo de caracteres portadores de mitologias arcaicas. Encontrado em diversas culturas e dentro de cada um de nós. O mito é, portanto, a prova da existência do inconsciente coletivo.


Mito de Édipo

Diversa interpretações a respeito de um mesmo mito nos mostram as infinitas  possibilidades do interpretar, não esgotando, no entanto, o mito. Michel Foucault é um nome de peso no estudo das ciências humanas, Édipo serviu para ele na discussão em torno de uma forma específica da verdade. Já para Sigmund Freud, considerado ‘pai’ da psicanálise, Édipo aparece como o modelo ao drama existencial humano. Enquanto que para Lévi-Strauss, o grande nome da Antropologia Social, Édipo representa o paradoxo se nascemos de um ou de dois. Mas quem é Édipo?
“Édipo era filho de Laio e Jocasta. Pouco antes de casarem, consultaram o oráculo de Delfos e ouviram que o filho que teriam seria o assassino de seu pai e marido de sua mãe. Ao nascer, Laio entrega seu filho para um de seus servos matar, porém este não teve coragem e amarrou o menino junto à uma árvore.
Um pastor, ao ouvir o choro, pegou o menino e levou-o ao rei Políbio. Ele e sua esposa acolheram a criança como a um filho. Édipo cresceu forte e tornou-se um vencedor, despertando forte inveja. Um de seus companheiros disse-lhe, com raiva, que ele era filho adotivo dos reis.
Atormentado começou a questionar sobre seu nascimento. Não satisfeito, procura o oráculo e recebe um terrível conselho: ‘Não retornar jamais a sua terra natal para não vir a ser o assassino de seu pai e marido de sua mãe, pois dele nasceria uma raça odiosa.’ Impressionado ele foge, na estrada encontra um velho que ordena que ele saia do caminho, Édipo reage e acaba matando o ancião e seus guardas.
Encontra Tebas devastada por um monstro, a esfinge, que propunha um enigma a todos. Creon, irmão de Jocasta, oferece sua irmã em casamento àquele que conseguir decifrar, matando assim a esfinge e salvando Tebas. Édipo aceita o desafio e enfrenta a esfinge, sendo bem sucedido. O monstro se mata e Édipo torna-se o novo rei de Tebas, marido de Jocasta. Os dois seguem governando e tem quatro filhos.
Anos mais tarde, e o reino é devastado por uma nova desgraça. Consultando o oráculo, a resposta que os tebanos tem é que a peste irá desaparecer quando eles encontrarem o assassino de Laio e o explusarem de Tebas. Passo a passo a verdade recai sobre Édipo, foi ele o assassino de seu pai e era ele o marido de sua mãe.
Ao descobrir, Jocasta comete suicídio e Édipo arranca os próprios olhos. É expulso do reino e vaga até que Teseu o protege. Tempos depois, ele caminha até um penhasco e com o testemunho de Teseu, a terra treme, se abrindo e Édipo é recebido para a morte.”
Édipo, fugindo de seu destino, acaba por cumpri-lo. Suas tentativas de fuga ao destino acabaram por ser as manobras que o levariam ao encontro dele, fechando um círculo que só abre espaço para fuga verdadeira, depois que completado integralmente.
Na história de Édipo o antagonismo entre deuses e homens mostra que as vontades humanas são reflexos das vontades divinas. E em meio a este paradoxo tentamos entender o mito e suas diferentes versões.


Mito e Verdade

A interpretação de Foucault a respeito do mito de Édipo como uma discussão histórica ampla sobre os meios de se fazer manifestar a verdade. Sendo que esta verdade pode adquirir formas diversas, diferentes modos de ser vista, com múltiplas existências e dependente de formação social e contexto histórico. Foucault busca mostrar as transformações sociais e históricas da pesquisa da verdade.
Ele vê em Édipo um modelo de verdade feita por encaixes, em metades. Tenta demonstrar que a verdade surge com os encaixes, ajustando diversas metades de verdade, que encontram-se espalhadas.
A busca pela verdade tem início com a consulta ao oráculo de Delfos, que responde em metades. A primeira diz que o país está corrompido, sujo. Mas quem suja o país? A segunda diz que isso se dá devido a um assassinato. Logo temos duas metades, pois assassinato diz que houve um assassinado e um assassino. Ele também revela que o assassinado foi Laio, mas se recusa a responder quem o assassinou. Fica faltando assim uma metade, que não é revelada. Tirésias, que também possui características divinas, responde dizendo que Édipo havia matado Laio.
Foucault diz que desde o início tudo já está dito, que cada um possuía e revelava uma metade. A verdade era dita não de forma definitiva e sim como uma profecia. Assim, sempre agindo por metades, a verdade vai sendo completada.
Jocasta tenta convencer Édipo que ele é inoscente, lembrando que Laio foi morto em uma encruzinhada de três caminhos. Édipo lembra que matou alguém em um entroncamento de três caminhos. Duas metades se completam.
Um escravo diz que Políbio havia morrido em Coríntio e que ele não era o pai verdadeiro de Édipo. Ao ser interrogado, outro escravo diz que recebeu uma criança, filho de Laio e Jocasta, para matar, mas que não tivera coragem e deixara o bebê, no monte Cíteron. Logo mais duas metades se encaixam, completando o ciclo.
Este modo de estabelecer a verdade é, para Foucault, um instrumento de poder. O mito de Édipo é sobre a perda do poder. As metades da verdade se unem para destruir Édipo.
Atravéz do acoplamento das metades, dos fragmentos, a configuração final da verdade acaba por expulsar Édipo do poder. A cada junção, a verdade se reforça. Na sua totalidade está o poder e é esta totalidade que expulsa Édipo do poder.
Uma interessante e complexa relação entre ‘saber’, ‘verdade’ e ‘poder’ está expressa em Édipo na visão de Foucault. Por não controlar a ‘verdade’ e o ‘saber’ é que Édipo perde o ‘poder’.
A riqueza desta linha de interpretação está em tornar o mito de Édipo em um modelo de conceitos de ‘verdade’ e ‘poder’, assim como suas relações com o contexto histórico da sociedade grega. Foucault vê em Édipo mais do que uma forma de analisar os termos ‘poder’ e ‘verdade’ isolados, e sim uma relação entre estes dois termos.  Para ele, ‘poder’ e ‘verdade’ andam sempre juntos.


Mito do Amor e Ódio

Édipo se torna conhecido nas mais diversas áreas da existência humana com Freud. Ele se transforma num modelo vivido por todos nós dentro da sociedade.
Consciente e inconsciente são as divisões que podemos dar à mente humana. Aquilo que sabemos a noso respeito encontra-se no consciente, que é muito menor que o espaço reservado para o que não compreendemos, o inconsciente. Freud pensa que é esta parcela maior do psiquismo é que comanda nossas ações. Somos, portanto, governados pelo inconsciente.
Governado por uma força que o conduz num sentido que ele não deseja, Édipo fazia uma coisa pensando estar fazendo outra, fora de controle. Édipo era o que não sabia, não sabia onde estava indo, nem que matara seu pai ou que casara com sua mãe. Sua intenção era fugir de tudo isso, mas acabava por encontrar exatamente isso. Sua consciencia sobre quem era e o que queria não era quem o comandava.
Assim como nós, Édipo não conhecia sua fatalidade e seu caminho. Somos comandados pelo inconsciente que nos guia além do que sabemos sobre nós. Foi tentando compreender este caminho e/ou suas direções que Freud faz um paralelo entre Édipo e o modelo de ser humano investigado pela psicanálise.
Édipo, assim como nós, desconhece as forças que regem sua vida e vive um jogo de amor e ódio dentro de sua família. Este jogo, Freud chama de ‘complexo de Édipo’. Como complexo se traduz por algo complicado, difícil, desta forma o amor não é exatamente amor, o ódio não é bem ódio, o pai não é o pai e a mãe também não é a mãe.
Na prática, analisando o ponto de vista de um bebê, ele e sua mãe, ou quem ocupa este lugar, formam uma totalidade, pois, absolutamente frágil e despreparado para a existência, é protegido pelos cuidados da mãe. Mãe e criança vêem que ninguém poderá interferir nesta relação de simbiose, de totalização.
Entretando esta criança deverá se constituir como sugeito, como indivíduo e ste doloroso processo de separação será acionado pela figura do pai. Ele é o elemento que contrapõe ao desejo de totalização da criança. O bebê deve ser barrado no desejo para tornar-se um ser autônomo. O ser humano não se torna mais completo em outro, ele se constitui pela diferença, pela ruptura, como unidade.
Visto dessa maneira, a mãe é o objeto do amor da criança. O pai, por sua vez, é o representante da lei, que impede o curso dos desejos, canalizando assim o ódio infantil.
O complexo de Édipo procura regular o desejo pela lei. Desejo como sendo a vontade de totalização da criança e a lei, que impossibilita esse projeto, lança o ser humano na autonomia. No drama de Édipo, Freud vê claramente a ambivalência de sentimentos (amor e ódio, realidade e prazer, limite e posse,...) e sua superação como formas de exercer a existência.
As interpretações e usos formam um imenso complexo de idéias, dentro da psicanálise e no pensamento freudiano. Freud analisa o mito de Édipo como o drama existencial de nossa frágil constituição como seres humanos.


Estruturalismo

A interpretação de Lévi-Strauss busca nos mitos dados sobre as estruturas sociais. Ao compreender o mito, entende-se a sociedade que o criou assim como outros mitos desta mesma sociedade. Outra característica é que ele relaciona o mito à linguagem, para ele o mito surge do discurso, sendo conhecido pela palavra, o que se mostra extremamente enriquecedor. Lévi-Strauss vê a linha de interpretação estruturalista como a busca por invariantes ou por elementos invariantes entre diferenças superficiais.
Segundo ele: “os mitos despertam no Homem pensamentos que lhe são desconhecidos”. Esta afirmação tem sido muito discutida e criticada por não possuir qualquer significado, entretanto ela descreve a experiência vivida pelo próprio autor quando se trata de sua obra, pois ao final de um livro ele tem a sensação de nem te-lo escrito.
O estruturalismo tem sido considerado algo novo e revolucionário, porém podemos ver esta linha de pensamento desde a Renascença até nosso tempo. Talvez não nos campos da Linguística e Antropologia, e sim em outros campos das ciências, que tem apenas doi modos de proceder em suas investigações, ou ela é reducionista, ou estruturalista.
Reducionista é quando reduz-se fenômenos muito complexos a fenômenos simples, o que explica parcialmente o que se estuda, mas não totalmente. É como disse Descartes, “o pensamento científico divide as dificuldades em tantas partes quantas as necessárias para a resolver”. Quando os fenômenos são complicados demais para serem reduzidos a fenômnos de ordem inferior, só pode-se estudá-los analisando suas relações internas, tentando compreender o tipo de sistema original que forma seu conjunto. E é isso que se tenta fazer na Linguística, na Antropologia e em outros campos.
A linguagem pode ser dividida em três níveis diferente, que se articulam. Seriam eles os fonemas, as palavras e as frases. Os fonemas como o nível mais básico da linguagem, puro som, sem significado. A combinação de fonemas gera a palavra, que combinada com nossa linguagem, adquire significado. A união de palavras se transforma em uma frase, plena de som e significado.
Assim como os fonemas, as notas musicais nada significam isoladas, entretanto se combinarmos notas musicais obteremos música, semelhante à frases. Pulamos um nível, o das palavras. Quando juntamos a isso o mito encontramos outra variação. No mito o que falta é o nível do fonema. Nele temos somente as palavras e as frases.
Mito e música tem sua origem na linguagem. Enquanto a música acentua a sonoridade, o mito destaca o significado. Som e significado estão profundamente presentes na linguagem. São estes níveis de divisão que servem de base para Lévi-Strauss dividir o mito em pequenas unidades, os chamados ‘mitemas’.
A relação entre mito e música talvez seja o tema que tenha gerado a maioria dos mal-entendidos porque se pensava que esta relação era muito arbitrária. Strauss, pelo contrário, via não apenas uma relação, e sim duas, similaridade e contiguidade.
Sobre a similaridade podemos dizer que, tal como acontece com uma partitura musical, é impossível compreender o mito como uma sequência contínua, ou seja, não podemos ler o mito da mesma maneira que lemos um artigo, da esquerda para a direita, linha por linha. Dessa forma não chegaremos a entender o mito, pois temos que aprende-lo como uma totalidade e descobrir que seu significado não está ligado à sequência de acontecimentos, e sim a grupos de acontecimentos, mesmo que em diferentes tempos históricos. Temos que ler o mito como lemos partituras musicais, deixando de lado as frases musicais e tentando entender a página inteira, com a certeza de que o que está escrito na primeira linha só terá sentido considerando que faz parte de um todo.
A questão da contiguidade é a explicação de como isso ocorre. Quando ouvimos música, ouvimos algo que vai de um ponto inicial para um termo final, e se desenvolve através de um tempo. Uma sinfonia, por exemplo, tem um princípio, meio e fim, contudo não se entenderá nada desta sinfonia, nem se terá prazer em escutá-la, sendo incapaz de relacionar o que antes se escutou com o que se está a escutar, mantendo a consciência da totalidade da música. Há, portanto, uma espécie e reconstrução contínua que se desenvolve na mente do ouvinte, da música ou da história mitológica.
Para ele, os mitos não mostram seu significado fundamental através da sequência de acontecimentos, e sim vinculado a grupos de acontecimentos que podem se encontrar muito afastados dentro do mito.
Lévi-Strauss lê os mitos em uma dupla dimensão. A dimensão diacrônica é tal como lemos normalmente, da esquerda para a direita, linha após linha e a ordem sincrônica, onde agrupam-se elementos semelhantes e para compreendê-la temos que olhar a totalidade. O mito se explica também quando comparado com outros mitos, num eixo horizontal e quando analisamos a estrutura e o pensamento da sociedade de onde ele foi retirado, num eixo vertical.
Logo, Lévi-Strauss admite que o mito pode ser dividido em unidades, que existe uma dupla dimensão de leitura e que o mito está interligado a outros mitos e à sociedade. Édipo é dividido por ele em onze mitemas que inicialmente não fazem muito sentido, assim como alguns deles não pertencem ao mito de Édipo. O porquê desses mitemas remete a terceira idéia de Lévi-Strauss, que diz para vermos o mito na sociedade que o produziu, e em outros mitos com um mesmo contexto.
Ele utiliza dois mitemas referentes a um herói grego chamado Cadmo, outro sobre o extermínio dos Spartoi, um quarto referente  a Labdaco, avô de Édipo e mais dois mitemas sobre os filhos de Édipo.
Na ordem diacrônica estes mitemas se encaixam contando sobre Cadmo saindo a procura de sua irmã, ele matando o dragão, dos dentes do dragão nascendo os Spartoi, que brigam até o extermínio, Lábdaco, Laio, a vida de Édipo e seus filhos.
Na leitura sincrônica podemos dividir os mitemas em quatro grupos. O primeiro com ‘relações de parentesco superestimadas’, onde familiares se ajudam, se amam, é o parentesco visto positivamente. Um segundo grupo é marcada por mitemas que demonstram ‘relações de parentesco subestimadas’, onde familiares se matam, é o parentesco visto negativamente. Estes dois grupos mostram o parentesco visto de maneira oposta.
O terceiro grupo é marcado por ‘monstros e sua destruição’. Mostra estes montros como pertencentes a terra, representantes dela e o homem negando sua proximidade com estes elementos ao destruí-los, negando, portanto, que da terra tenha sido originado. Um quarto grupo mostra que os homens tem dificuldade de locomoção com as palavra ‘coxo’, ‘torto’ e ‘pé inchado’. Conforme Lévi-Strauss, muitas mitologias vêem o homem nascendo da terra, emergindo e tendo dificuldade de caminhar. Logo, estes dois grupos também apresentam contradições ao dizer que o homem vindo da terra, acaba negando-a.
Estas oposições fazem com que Lévi-Strauss afirme que isso é o mito traduzindo as dificuldades da sociedade grega em adotar uma única teoria sobre a origem do homem.
De um lado a idéia de que o homem vem da terra e de outro a constatação de que cada pessoa vem da relação de um homem com uma mulher. Afinal, “nascemos de um ou de dois?” “O mesmo nasce do mesmo ou de outro?” Paradoxos que aparecem em muitas sociedades e para os quais os mitos são instrumentos de expressão.
Uma questão importante que Lévi-Strauss levanta é: “onde acaba a Mitologia e começa a História?” Principalmente no caso de uma história sem arquivos, sem documentos escritos, apenas com a existência de uma tradição verbal que aparece ao mesmo tempo como História.
Lendo diferentes livros sobre povos indígenas americanos descobre-se que a oposição simplificada entre Mitologia e História, que estamos habituados a fazer, não está bem definida, havendo um nível intermediário. A Mitologia é estática, pois encontramos os mesmos elementos mitológicos combinados em inumeráveis maneiras, mas num sistema fechado, contrapondo-se à História, que é um sistema aberto.
O caráter aberto fica assegurado pelas infinitas maneiras de compor e recompor células mitológicas ou explicativas, que eram originalmente mitológicas. Na prática, isso mostra que usando o mesmo material, pertencente à herança comum ou patrimônio comum de todos os grupos, clãs ou linhagens, uma pessoa pode conseguir elaborar um relato original para cada um deles.
Cada tipo de História pertence a um detreminado grupo e tenta explicar seu destino, que pode ser triunfal ou desgraçado, ou justificar direitos e privilégios, ou, ainda, tenta validar reivindicações de direitos que há muito desapareceram.
Se tomarmos relatos de dois historiadores, com diferentes tradições intelectuais e alinhamentos políticos diversos, acerca do mesmo fato histórico, não é de se espantar que eles não nos contam exatamente a mesma coisa. Podemos pensar que é impossível que dois relatos que não são idênticos possam ser verdadeiros ao mesmo tempo, entretanto eles parecem ser aceitos como verdade em alguns casos, com a diferença que um relato é considerado melhor e mais detalhado do que o outro. Logo são igualmente válidos, já que as diferenças entre eles não são percebidas como tais.
Acredita-se que em nossa sociedade a História substitui a mitologia, desempenhando a mesma função, já que nas sociedades sem escrita e sem arquivos a Mitologia tem por finalidade assegurar que o futuro permanecerá fiel ao presente e ao passado. Ainda que hajam Antropólogos que não aceitem esta idéia, afirmando que existem incontáveis mitos em nossa sociedade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As literaturas grega e latina, assim como a Bíblia e muitas outras estão repletas de mitos e costumavam fazer parte do ensino nas escolas. Ao serem extintas toda uma tradição de informações mitológicas desapareceram, com isso perdemos efetivamente algo, pois não temos nada semelhante que ocupe o lugar dos mitos. Entretanto algumas histórias se conservaram na mente das pessoas e com estes mitos, se percebe a relevância que eles têm para com o que ocorre na vida delas, dando-lhes novas perspectivas.
Os mitos são relacionados a temas que sempre deram apoio à vida humana, eles construíram civilizações, estabeleceram religiões através dos séculos. Tudo o que os homens têm em comum se revela nos mitos. Neles vimos nossa busca pela verdade, pelo sentido, pelo significado da vida através dos tempos, pois temos a necessidade de compreender o que nos é misterioso para descobrir quem somos.
Neste trabalho vimos as linhas de interpretação acerca dos mitos e as tentativas de diversos pesquisadores, de diferentes áreas como a antropologia, filosofia e a psicanálise, em defini-los.
Sendo assim, através da análise desses significantes e significados, cumpre-nos concluir que o sentido de um mito é essencialmente indizível, uma vez que nossas palavras sempre o qualificam e limitam.